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domingo, 16 de dezembro de 2007

O poder da ingenuidade

Trevor era um guri que estava na sétima série. Sua mãe era alcoólatra e seu pai, também amigo de fé das biritas, batia nela. Um certo dia, seu professor com o rosto um pouco desfigurado em virtude de queimaduras, desafiou-o – não apenas ele, mas toda a turma: encontrar uma maneira de mudar o mundo. Uma utopia, enfim. Mas o que seríamos se não a tivéssemos?

Trevor aceitou o desafio. Encontrou, certo dia, Jerry, um ser drogado. Ajudou-o: deu-lhe comida; deu-lhe oportunidade de mudar. Entretanto, não foi apenas o dependente químico o que recebeu a corrente. Sua mãe, Arlete e seu professor, Eugene, também a receberam. E não era algo fácil de fazer: o meme humano só dá certo se todos fizerem algo difícil, inimaginável. Algo que apenas faríamos se obrigados.

Mas Trevor era ingênuo. Esqueceu-se que não estava lidando com crianças, e sim com adultos. E nós, adultos, somos seres incríveis e estúpidos. Que no discurso pregamos uma coisa, mas, na prática, fazemos outra. Ensinamos que devemos não ser egoístas, mas o somos – principalmente quando a questão é no sentimento.

Além de ingênuo, Trevor era esperançoso. Por mais que soubesse que os adultos eram estúpidos e medrosos, acreditava neles. E quantos de nós desistimos dos outros logo em seu primeiro passo em falso? É... Trevor tem muito a nos ensinar.

Só que Trevor percebeu que somos estúpidos, medrosos e medíocres. E foi isso que levou Trevor a desistir dos outros. Porque a mediocridade é pior que o medo. Porque a mediocridade é muito pior que a estupidez. Porque é na mediocridade que nós, seres humanos adultos, estúpidos, medrosos e medíocres, percebemos que somos pobres de espírito.

Todavia – ô palavrinha cretina essa -, Trevor não sabia o poder que tinha. Não sabia que a sua ingenuidade tocava os demais. Que a sua inocência, ao propor a corrente àqueles que foram por ele ajudados, fez a diferença; fez os adultos-estúpidos-medrosos-medíocres-pobres-de-espírito perceberem o quão estúpidos-medrosos-medíocres-pobres-de-espírito. E Jerry, o drogado, ajudou uma suicida; sua mãe perdoou sua avó, também alcoólatra; e seu professor perdoou a sua mãe – a de Trevor. A suicida, por sua vez, ajudou outra pessoa. A avó de Trevor, também. E, assim, sua corrente ingênua foi de Las Vegas à Los Angeles.

Trevor não acreditou no que ouviu. Sua ex-utopia, agora denominada objetivo, foi atingida. Trevor foi entrevistado e conhecido nacionalmente.

Trevor é um personagem do filme A Corrente do Bem. Mas, se pensarmos bem, o mundo está cheio de Trevors. É só olhar para o lado que verás um. Eu, por exemplo, vejo cerca de 24 Trevors a cada sábado no grupo escoteiro que pertenço. Eles também são ingênuos, assim como eu já fui e, com toda a certeza, assim como já foste.

A diferença entre o Trevor e as nossas crianças é que, o primeiro, é personagem de filme. Os nossos Trevors também têm idéias para mudar o mundo, as quais não damos bola. Afinal, são crianças e nós, adultos-estúpidos-medrosos-medíocres-pobres-de-espírito-e-inteligentes-pra-caralho sabemos de tudo, principalmente que filmes, muitas vezes, são apenas filmes.

Maldição: por que é tão difícil ser ingênuo?

2 comentários:

Piero Barcellos disse...

Cara, não é difícil... A mediocridade humana é como uma gripe, que vai contaminando todo mundo aos poucos. Tem gente que possui os anticorpos, e nunca pega essa gripe. E tem gente que simplesmente não se deixa contaminar. Como diria Cazuza, "vamos sentir piedade dessa gente careta e covarde".

Raquel Verardi disse...

Falou tudo e falou bonito!
Tu é meu ídolo... rsrsrs