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domingo, 14 de dezembro de 2008

Quinze minutos

Era um dia como qualquer outro. Acordou, levantou-se, olhou para os remédios em cima da cômoda e soltou um "puta merda". Fazia tempo que não fazia o tratamento adequado para os seus problemas de saúde, mas não estava nem aí: queria viver a vida da melhor forma possível. Para ele, isso seria sem tratamento.

Foi ao banheiro, tomou um banho, e se arrumou. Olhou para a cama e a mulher ainda dormia. Deu um beijo em sua testa e não disse nada. Voltaria a casa dali algumas horas.

Durante a caminhada lembrou-se do que mais amava na vida, além de sua família: a lida com cavalos. Quando era criança, não largava o que tinha na chácara da família. Estava sempre montado na Zefa, uma bela potranca negra - e não era funkeira, porque funk ainda não existia naquela época.

Ao chegar no prado de seu amigo, impossível evitar o sorriso. "Como é lindo isso aqui", disse à si mesmo. Cumprimentou Carlinhos, seu amigo de longa época, e foi tratar do Amadeus, um cavalo crioulo branco que adotou, sem falar com a família.

Enquanto ia em direção ao seu novo filho, recordou-se das intensas brigas que tivera em casa. Não falara à ninguém porque, a cada mês, uma boa parte do salário faltava. As brigas eram intensas e ele evitava falar sobre isso. Investia aquela irrisória quantia no tratamento do Amadeus. "Vocês não entenderiam", cansava de repetir, pois sabia que seus familiares não apoiariam a idéia de fazer esforço físico com sua saúde tão debilitada.

Olhou Amadeus e, como sempre, deu um beijo em sua face. O cavalo retribuiu com um relincho suave. Montou no cavalo e foi dar uma galopadinha básica, só para aquecer.

Após 15 minutos, um estrondo. O montador estava estatelado no chão, com Amadeus parado ao seu lado. Os que estavam o prado foram socorrê-lo, mas foi impossível salvá-lo. Seu coração parara de bater, mas seu sorriso não saíra do rosto.

Sabia que havia pouco tempo de vida. Resolveu vivê-la intensamente, mesmo que durasse apenas 15 minutos.

Texto em homenagem ao seu Lauro, marido da Iolanda, nossa empregada e amiga, que faleceu neste sábado após fazer o que mais amava: estar próximo aos cavalos. Que Lauro descanse em paz.

11 comentários:

Anônimo disse...

Que história linda! Bonita homenagem, rodrigo.

Alessandra Castro disse...

Lembrei-me de uma música de Belchior que sempre me deixa com os olhos mareados. Canta assim: "Era feito akela gente honesta, boa e comovida. Que caminha para a morte pensando em vencer na vida".

Pedro Favaro disse...

Bacana a homenagem...

T disse...

Que leveza! Uma das poucas vezes que vejo escrever assim. Leve!
Tesão gaúcho, OPS
MEU TESÃO GAÚCHO, você sabe né.
Adoro você.

Leandro Luz disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Leandro Luz disse...

Bah, muito bom...

Isso me fez pensar no meu pai, que não toma seus remédios corretamente e gasta boa parte da sua grana com um cavalo que comprou. Comecei a ver as coisas de um jeito diferente agora, comecei a ver pela ótica dele. Talvez seja isso que passa na cabeça dele.

Fiz um texto agora para o meu blog e citei o teu!

Parabéns velho, muito bom mesmo! E obrigado!

Felipe Lucchesi disse...

Oi ! Tudo bem?Gostei muito dos seus textos ! Topa uma parceria?Sou mais um "mané sem avatar" ok?! risos Quero muito aprender como se faz um ! Se topar,conversamos mais outro dia ! Abraço !

Tássia Jaeger disse...

Bonito isso Rodrigo. Meu tio-avô também faleceu em uma queda de cavalo. Ele amava isso também. Bom ano novo colega que só eu lembro!

Sofia N. disse...

Que homenagem legal! Parece que representou bem a história...
Pelo menos morreu fazendo o que gosta né?
Beijão!!

Fernanda H.A. disse...

Muito lindo!
Feliz 2009, bgs *:

Juh... disse...

lindo
bjs